Olá, queridos leitores do Folha Regional! Peço licença para entrar em sua casa por meio de alguns escritos de minha autoria e compartilhar com vocês alguns pensamentos e conteúdos relacionados ao mundo da psicologia. Desejo que possamos falar de diversos assuntos, alguns deles tabu, discutirmos algumas dicas e orientações, enfim, trazermos nosso cotidiano, nossa vida, para as páginas desse jornal. Afinal, a psicologia é a ciência da alma humana, logo, imaginem quantas coisas não cabem numa alma!
No decorrer da minha trajetória acadêmica me encantei por um assunto pouco popular em nossa sociedade, que causa certo medo e gera, muitas vezes, grande silêncio: a morte! Este fenômeno que atinge todos os seres humanos é tão pouco falado e questionado, que tornou-se um verdadeiro tabu. Sim, tornei-me psicólogo e tanatólogo por paixão e profissão. E é sobre esse assunto que gostaria de convidá-los à uma breve reflexão.
É certo que a morte é parte intrínseca do nosso ciclo vital, sendo o último estágio deste. No entanto, pouco se fala ou aborda sobre esse acontecimento tão real e importante. Como bons ocidentais, silenciamos a manifestação da morte em nossa sociedade. Philippe Ariès, um importante historiador francês, numa das suas obras intituladas “A história da morte no Ocidente”, diz que vivemos no século atual uma inversão de atitudes diante do morrer. Ao apresentar-nos está reflexão, Ariès, fala que antigamente os assuntos ligados à sexualidade eram velados às crianças, hoje, quem assume o lugar do “proibido” é a morte, ou seja, falamos para os pequeninos de “onde vem os bebês”, mas não discutimos com eles sobre o esvanecer da vida.
À esta altura, você leitor, talvez esteja se questionando: “mas devemos fazer apologia à morte no decorrer da nossa vida?”. Eu lhes respondo que não! Convido-os, apenas, a tentarmos iniciar um processo de deixarmos a morte ser aquilo que ela é, ou seja, parte da nossa existência, do nosso ciclo vital. Porque quando à destituímos do seu lugar, iniciamos, às vezes sem perceber, um processo de negligenciação da própria vida.
Um exemplo de negligência encontra-se numa cena que me deparei há tempos atrás, no enterro de uma conhecida. Enquanto o féretro saia rumo ao túmulo, o filho da falecida, de aproximadamente 4 ou 5 anos, sem muito entender o ocorrido, degustava um delicioso picolé, enquanto seguia o cortejo com sua avó paterna. Dado momento a criança pergunta à avó quando sua mãe iria retornar. Talvez, na tentativa de poupar o neto, a senhora respondeu-lhe que sua mãe faria uma “longa viagem” e demoraria voltar. A criança, sem muito entender, jogou o picolé fora e permaneceu calada até a última pedra fechar o túmulo da sua mãe.
Por vários dias pensei na frustração dessa criança, que ansiosa, esperaria uma mãe que nunca mais voltaria da longa viagem e depois, de muita reflexão, cheguei à uma conclusão: precisamos falar sobre a morte como ela é de fato! É preciso pararmos de “infantilizar” a morte e enfrentarmos o “nunca mais” que ela nos apresenta. Acredito, que seria menos sofrível para essa criança, que a morte da sua mãe lhe fosse revelada, através de uma linguagem acessível à sua idade, do que a mesma ficar numa espera infindável de alguém que nunca voltaria ao seu convívio, alguém que talvez, na sua fantasia infantil, lhe “abandonara” para sempre.
O polímata Tagore já dizia, num dos seus escritos, “a morte pertence à vida, como pertence o nascimento. O caminhar tanto está em levantar o pé com em pousá-lo ao chão”. Em sua múltipla sabedoria, Tagore, nos ensina que não podemos entender a morte como uma vilã, mas como a última poesia de uma vida-histórica, o fechamento de um ciclo iniciado em nosso primeiro batimento cardíaco.
Todos nós, seres humanos, temos o direito de vivermos com qualidade e inteireza o nosso ciclo vital e isso só será possível se acolhermos a morte e o morrer como parte do mesmo.
Ao término desse texto, você, querido leitor, possa estar exclamando: “mas é tão difícil falar sobre a morte!”. Mais uma vez, eu lhes respondo: sim, de fato é difícil! É um exercício que devemos praticar aos poucos, em pequenas oportunidades, em pequenos gestos ou frases. Mas uma coisa é certa, meus caros, é muito mais difícil enfrentarmos a manifestação da morte quando construímos e vivemos uma vida ludibria, onde o morrer é apenas uma “historinha” que um dia tentaram nos fazer acreditar.