“Oh, pedaço de mim
Oh, metade afastada de mim
Leva o teu olhar
Que a saudade é o pior tormento […]”
Soube o consagrado compositor e cantor brasileiro Chico Buarque expressar com grande maestria, numa das suas composições, a essência dos sentimentos que permeiam o íntimo de uma pessoa que perdeu alguém que ama. A este conjunto de sentimentos e emoções, que emergem no indivíduo que experienciou uma perda valorosa, concedemos o nome de luto.
Podemos entender o luto como um período de adaptação, uma reação normal e esperada, após uma quebra de vínculo significativo entre o indivíduo e um objeto amado, podendo este ser um ente querido, situações ou mesmo condições impostas pela vida.
Sim, caros leitores! Não ficamos enlutados somente quando morre alguém que amamos muito. Também experimentamos o processo do luto no recebimento do diagnóstico de uma doença grave, que coloca em risco nossa vida, separações conjugais, perdas materiais (como casas em enchentes), abortos, saída dos filhos de casa para constituírem sua própria família, amputação de membros, dentre várias outras circunstâncias.
Não há dúvidas, o luto será a pior dor que o ser humano irá sentir em sua vida, principalmente quando nos referimos à morte concreta, ou seja, a perda de nossos entes queridos, afinal é através dela que iremos nos encontrar com a corporificação do “nunca mais”.
Quando morre uma pessoa que amamos não “sepultamos” apenas seu corpo, mas também vários papéis, representações e até mesmo comportamentos que outrora, está, impulsionava em nosso existir. Lembro-me de uma senhora de 65 anos que atendi, há tempos atrás, na clínica. A mesma me procurara devido ao seu processo de luto pela morte do seu esposo, um senhor de 70 anos que falecera vítima de um infarto fulminante, três dias antes de completarem 53 anos de casados. No decurso de uma das sessões de terapia, em prantos, ela dizia: “Não perdi somente meu marido! Perdi meu companheiro, o homem da casa, meu amigo… meu amante!”
Foi através da fala desta senhora e de seu choro genuíno que enxerguei às inúmeras perdas que compõem uma só perda. Isto é, com a partida do seu marido ela descobriu que perdera os inúmeros papéis que ele exercia na composição da sua vida. Ficará, desde então, as memórias construídas na história e o luto, este último muito necessário e fundamental para reorganizar seus sentimentos, emoções, pensamentos e sua relação interna com a figura do marido morto.
Prezados, leitores! O luto embora venha repleto de dores (psíquicas e físicas), angústia, desespero e inúmeros sentimentos ambivalentes, não é de todo ruim. Como já relatado acima, é ele que irá, através deste período de intensa tristeza, nos lapidar e fazer-nos entender as perdas que sofremos, para posteriormente, despertarmos a consciência de que é possível continuar a caminhar sem a pessoa que amamos.
Embora o luto possa vir à se complicar, em alguns casos, levando certos indivíduos a um quadro depressivo, é importante ressaltar que luto não é o mesmo que depressão, ainda que ambos possuam certas manifestações parecidas.
Talvez, agora, vocês estejam se perguntando: “mas como diferenciamos luto de depressão?” ou “o que devemos fazer diante do processo de luto?” ou ainda “o que dizer à uma pessoa enlutada?”. Todas essas questões merecem ser esmiuçadas a parte, portanto é sobre estes assuntos que convido-os à reflexão no próximo artigo.
Por hoje, desejo apenas, que possamos compreender que o luto é o sentimento mais digno e verdadeiro que um ser humano pode apresentar em vida, pois é quando nossa alma encontra-se exposta ao mundo sem máscaras, sem mentiras, frágil, procurando refúgio nos ouvidos de alguém que possa ouvir e acolher as dores de um coração partido cheio de ausência da “sua metade afastada”.
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