Cuidados paliativos: um afago na alma de quem morre

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Morte e morrer possuem significâncias distintas na vida na vida humana. A morte é uma ideia, um conceito que o ser humano possui acerca do fim da sua existência. Muitas vezes essa abstração provém das filosofias de vida e das próprias crenças que são cultivadas no decorrer da história pessoal de cada indivíduo. Um dos grandes papéis das religiões é conceder respostas às questões que envolvem a vida pós-morte. Torna-se relevante destacar que o homem é o único ser vivente que possui plena consciência da sua finitude.

Em contrapartida, quando falamos sobre o morrer, estamos nos referindo a um processo, é o famoso e conhecido falecer, portanto, compreende-se que é uma ação na qual todo ser vivente irá experimentar, uma vez que é o último estágio do ciclo biológico.

Entende-se que o ser humano, por vezes, possui medo da morte dado ao fato de não possuir total clareza sobre o que acontecerá no seu depois, no entanto, podemos afirmar que maior do que o medo da morte é o medo do próprio morrer, uma vez que este ainda acontece em vida, dando margem para as dores físicas, psíquicas e emocionais. Há pessoas que sofrem pelo fato de imaginarem que o seu processo de falecimento poderá estar permeado por intenso sofrimento e isso expressa com profunda clareza a vulnerabilidade e necessidade de cuidados que todo indivíduo possui no momento da concretização da sua morte.

Foi pensando nesses cuidados que uma enfermeira, em 1967, Dame Cicely Saunders, fundou, nos EUA, o primeiro centro especializado em cuidados para pacientes paliativos, ou seja, pacientes que possuem uma doença crônica e progressiva que ameaça a vida. Saunders, ao perceber que muitas pessoas eram negligenciadas em seus processos de morrer inicia o movimento dos Cuidados Paliativos.

De acordo com a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), o alívio dos sofrimentos, compaixão pelo doente e seus familiares, o controle impecável dos sintomas e da dor, a busca pela autonomia e pela manutenção de uma vida ativa, enquanto ela durar, são princípios bases para os Cuidados Paliativos que pouco a pouco começam a ganhar destaque no Brasil.

Em 2002 a OMS definiu os Cuidados Paliativos como uma abordagem ou tratamento que concede maior qualidade de vida aos pacientes e seus familiares que encontram-se diante de uma doença que coloca em grande risco a continuação da vida e, para que isso ocorra, se faz necessário o controle das dores provenientes dos diversos campos da vida humana: físico, social, emocional, ecológico e espiritual.

Ocorre que na atualidade, principalmente em nosso país, possuímos um sistema de saúde caótico que pouco consegue dar conta da sua demanda, logo, à atenção às pessoas que encontram-se no final de suas vidas é praticamente inexistente, sendo esses tratados como um paciente igual aos outros. Infelizmente ainda é comum vermos pacientes em seus processos de morrer contornados por um leito de solidão, em hospitais gerais, com seus campos de dores não tratados.

No momento do morrer mais vale o afago de uma mão familiar e amiga e o controle das dores do que uma junção de técnicas invasivas e desnecessárias que simplesmente tendem a aumentar o sofrimento do paciente, retirando do mesmo o protagonismo de um falecer salutar.

É importante ressaltar que Cuidados Paliativos não tem nada a ver com eutanásia, sua principal filosofia é conceder “qualidade de vida integral aos dias que dá vida que encontra-se no processo de morte”, no entanto, é importante começarmos a trabalhar nossas concepções, uma vez que nem sempre qualidade de vida está relacionada à uma internação na UTI de um hospital.

Cicely Saunders, ao ver os pacientes que morriam sem os devidos cuidados, lutou para mostrar ao campo da saúde que “ainda há muito o que ser feito” por àqueles que estão partindo. Hoje, em meio a cultura do descartável, tentam nos ensinar a não investir valor nos indivíduos que morrem, afinal, estes não produzirão mais. Logo, acredita-se que não há nada para ser feito. No entanto, jamais deveríamos nos esquecer que estamos diante de uma vida humana que termina seu ciclo biológico e transmuta para um ciclo histórico, ou seja, a pessoa que morre deixará de existir biologicamente para começar a existir historicamente, através das memórias daqueles que ficam. E nada mais belo e importante, neste momento, que uma atuação ética, humanizada e comprometida por parte dos profissionais da saúde, afinal, muitas vezes, serão eles o “passaporte” nessa transformação vital, assim sendo, no momento do morrer, há muito para ser feito.

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