A última vez: uma crônica sobre Saudade

Larissa Lenarduzzi
E-mail: larissa.lenarduzzi@folhar.com.br

Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Saudade significa “Lembrança grata de pessoa ausente ou de alguma coisa de que alguém se vê privado”. Eu, particularmente, prefiro as definições do Buarque de Hollanda músico: “Que a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”.
O sentimento é universal, com certeza, porém bastante sucinto em uma única palavra em português. Em espanhol é uma expressão “echar de menos” ou um verbo: “extrañar”; em inglês, “missing”, em francês é um pouco mais distante “Tu me manques” ou “você me faz falta”…mas na língua portuguesa, ah, na língua portuguesa! Saudade vem do latim solitas, cujos significados são “solidão”, “desamparo”, “abandono”.
Por quê? Talvez porque somos calorosos, bastante festivos e até diria que é algo que nos marca, deixa lembranças. Uma situação que foi boa, uma pessoa que não mais convivemos, alguém que nunca mais veremos, aqueles que um dia nos distanciamos por conta da falta de tempo ou interesse, os outros que nos faltaram a atenção devida no tempo esperado e isso marca nossa existência. Resquícios de memórias, que quando suscitados em nossas cabeças geralmente voltam com cores mais vibrantes do que realmente foram, o cérebro parece filtrar os momentos, as sensações como as que ao lembrar saudosamente de alguém nos momentos mais solitários da alcova esquece as brigas, as desavenças e discussões e foca se naquele olhar compreensivo, no abraço aconchegante e no jantar regado de boas risadas. É disso que temos saudades, mas será que foi apenas isso que vivemos? É difícil olhar para frente quando se deseja algo que está atrás, porém será que o passado voltaria a ser como foi? E se voltar, será que foi do mesmo jeito pelo qual temos saudades? É sempre uma armadilha ardilosa em que nosso ser divide-se: bambear como um equilibrista entre os caminhos tortuosos do cérebro ou as estradas floridas do coração.
Dizia Gabriel García Marques “O cérebro tem uma espécie de filtro, que esconde as más lembranças e enaltece as boas e por isso temos força para continuar a viver.” Boas lembranças nos fazem buscar melhores momentos? Ou pensando por outro lado, pode nos estagnar esperando algo que passou e realmente nos agradou? Tanto que desejamos de volta? A saudade pode nos lembrar que fomos muito felizes, porém situações fora de nossa alçada acabaram por minar o motivo de tanta alegria, aqueles dias em que até a chuva inesperada é recebida com o carinho de uma dádiva, ou pode nos lembrar de erros que culminaram no término desse motivo… os dias em que nem o sol em seu pico nos aquece.
Saudade. As cartas que chegam para quem não vai mais chegar. O dia das mães em que o presente é uma lembrança de um abraço afetuoso e uma palavra de amor. Ver o filho crescendo e compartilhar os afetos paternos que um dia foram passados, mas que hoje são só um passado. Palavra que expressa a falta que algo ou alguém faz em nossas vidas, mas a questão é como transformar essa falta em força para seguir em frente e levar a ausência como lição para a vida? Tudo é efêmero. A vida é líquida. O tempo. Os amigos. A família. Os amores. Nós. Se nos mantivermos estagnados pelo conforto do que achávamos ser ideal, e agora nos faltar força para aproveitar o presente, sentiremos a ausência quando um dia isso tudo se transformar em passado.
Lugares mudam, pessoas mudam. Nós precisamos mudar também. Não está satisfeito? Mude. Ocupe sua cabeça. Trabalhe mais. Divirta se mais. Estude mais. Evite ficar sozinho, pois nesses momentos em que estamos acompanhados apenas de nós mesmos, nossos cérebros pregam as peças mais fortes da nostalgia. Tampouco pessoas negativas são bem vindas em momentos como esse. Cabe a nós termos o mínimo de força e esperança a continuar. Pois sendo a saudade boa ou ruim, muitas vezes ela não mudará em nada o curso de nossas vidas práticas, o futuro ainda vem, o passado, este já foi e se não temos uma fotografia daquele momento, lugar ou pessoa resta apenas uma coisa, o peso da falta. Permita-se respirar, permita-se voar, se dê liberdade, para que ao olhar para trás não sinta saudade do que nunca foi.
Caminho a passos leves e peço que o samba que toca, me leve aonde diz: chega de saudade….

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